OS SALMOS, NOSSO ESPELHO
11 – PISARÁS SOBRE LEÕES E DRAGÕES
─ Ele dará ordens a seus anjos para te guardarem em todos os teus passos. Em suas mãos te levarão para que teu pé não tropece em nenhuma pedra. Caminharás sobre a cobra e a víbora, pisarás sobre o leão e o dragão (Salmo 91,11-13).
Em um dos seus sermões sobre os Salmos, Santo Agostinho faz um comentário muito arguto sobre as imagens do leão e do dragão. Vale a pena transcrever as suas palavras, tendo em conta que fala a cristãos do século IV e V, tempos em que não mais eram perseguidos pela sua fé, mas guardavam a memória recente das terríveis perseguições dos imperadores romanos até inícios do século IV, relatadas por seus pais e avós.
«Como os nossos pais precisaram de paciência contra o leão [o poder político do perseguidor pagão], assim também nós precisamos de vigilância contra o dragão [o sutil veneno que engana]. A perseguição contra a Igreja nunca cessa, quer por parte do leão quer por parte do dragão, e mais se deve temê-la quando engana do que quando se assanha.
»Em outros tempos, incitava-se os cristãos a renegarem Cristo; nestes, ensina-se a negar a Cristo. Então a perseguição esmagava, agora ensina; então usava de violência, agora de insídias; então ouviam-na rugir, e agora, apresentando-se com aparente mansidão, dificilmente se faz notar.
»É coisa sabida como então a perseguição violentava os cristãos para que negassem Cristo; mas eles, confessando o nome de Cristo, eram coroados. Agora ensina a negar a Cristo e, enganando-os, não quer que pareça que os afasta de Cristo»[1].
Santo Agostinho dirigiu essas palavras a cristãos que viveram há mais de mil e seiscentos anos. Você não acha que são plenamente atuais?
Na nossa época, o leão continua ativo: matou, encarcerou e torturou mais cristãos nos últimos decênios do que na “era dos mártires”, nos três primeiros séculos do Cristianismo. Há atualmente notícias dolorosas de muitos cristãos degolados pelos islâmicos fanáticos da sharia; de igrejas inteiras repletas de fiéis, que foram incendiadas em várias localidades da Ásia e da África. E nem precisaríamos lembrar os horrores do nazismo e dos gulags comunistas em anos relativamente recentes.
É verdade. O leão continua ativo. Mas, hoje, é muito mais ampla, insidiosa e “eficiente” a perseguição do dragão. O veneno sutil é instilado quase todos os dias no ambiente que nos rodeia, no ar que respiramos, na mente indefesa de crianças e adolescentes.
Trata-se das constantes campanhas midiáticas, educacionais e legislativas, destinadas a varrer os mais altos valores do ser humano feito à imagem de Deus; campanhas dirigidas a desacreditar a Igreja e a reduzir os cristãos a cidadãos de segunda categoria que é preciso silenciar. Nem sequer se lhes tolera – como dizia São Tomás More no seu processo – o direito de ficarem calados. Escolas, professores, são obrigados a seguir programas obrigatórios e propagar ideologias que contrariam frontalmente as suas opiniões, crenças e convicções.
Alguns se perguntam: Será que, em nome da liberdade, e de uma maneira muito falsificada de encarar os “direitos humanos”, já chegamos a uma cultura de mordaça totalitária? Minorias ideológicas, tirânicas, parecem querer apoderar-se de todos, como se fôssemos gado de seus currais.
É natural sofrer vendo que aquilo que aos olhos de Deus é belo e grande, está sendo diariamente agredido: os valores do amor humano e do matrimônio, a família, o caráter sagrado da vida, o sentido do sexo tal como Deus o quis, o direito dos pais de educar os filhos conforme as suas convicções.
Mas esse sofrimento, na vida do cristão, não pode converter-se em pessimismo. Tenhamos sempre diante dos olhos as palavras com que Jesus advertia os Apóstolos, quando se despedia deles na Ultima Ceia: Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro, me odiou a mim… Lembrai-vos da palavra que vos disse: O servo não é maior que o seu senhor. Se eles me perseguiram, também vos perseguirão (Jo 15,18.20).
É uma profecia que parece sombria e que, no entanto, conclui luminosa, com um cântico de esperança e de vitória: No mundo tereis tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo! (Jo 16,33).
São João, na sua primeira Carta, fala do segredo dessa vitória: Todo o que nasceu de Deus [pelo santo Batismo] vence o mundo. E esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé.
A fé! Primeiro, assumamo-la como um verdadeiro ideal de vida, como a luz da nossa alma, da nossa mente, do nosso coração. Para nós, “crer” deve ser “viver”.
«Um segredo. – Um segredo em voz alta: estas crises mundiais são crises de santos. – Deus quer um punhado de homens “seus” em cada atividade humana»[2]. Não duvide de que a hora atual é hora de santidade, hora de viver a plenitude da fé e de transmitir a luz e o calor do amor de Cristo a muitos.
Por isso mesmo, é hora de procurar a formação necessária para que a nossa fé cristã seja cada vez mais sólida e profunda, inabalável.
Em época de sombras e penumbras equívocas, não basta um conhecimento elementar e fragmentário da verdade católica. É preciso superar aquilo que santo Agostinho chamava “jejum de luz”. É um dever, agora, procurar o aprimoramento da formação doutrinal com tanto ou mais empenho do que colocamos na aquisição de formação profissional, técnica ou cultural. É hora da responsabilidade, da vibração e da alegria que procedem do deslumbramento da fé, em contrate com a escuridão que nos cerca.
«Urge difundir a luz da doutrina de Cristo – diz são Josemaria. – Entesoura formação, enche-te de clareza de ideias, de plenitude da mensagem cristã, para poderes depois transmiti-la aos outros. – Não esperes umas iluminações de Deus, que Ele não tem por que dar-te, quando dispões de meios humanos concretos: o estudo, o trabalho»[3].
Pense nisso, e tire suas conclusões práticas. Não para começar amanhã, mas hoje.
[rascunhos para um futuro livro]
[1] Enarrações sobre os Salmos, Sl 91,13
[2] Caminho, n. 301
[3] Forja, n. 841